Foto emblemática do centro da povoação do Monte Frio, numa típica manhã serrana, com o nevoeiro fugaz, a envolver o casario de então, bem diferente dos edifícios actuais. Ao fundo vêem-se as portas do estabelecimento da D. Assunção Peres, ponto de encontro e de convívio da população. No Largo da Fonte, um Mercedes-180 (Taxi da praça de Lisboa), pertencente ao Alfredo Marques, está preparado para regressar à capital, após uma visita à terra. Certamente, o Alfredo Marques terá entrado na taberna para pagar uma rodada de despedida aos conterrâneos, como era tradição. Na foto pode observar-se as ruas calcetadas recentemente, reconhecendo-se, à esquerda, Manuel Henriques 'Manhoso' e à direita o miúdo Horácio Nunes.
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O carteiro Alberto Sebastião Trinta de Carvalho (com seu cavalo), na chegada ao Monte Frio, anos 60 (1963?). Ao fundo, as portas do estabelecimento da D. Assunção Peres, situado no centro da povoação. Curiosamente esta foto foi tirada uns dias após a festa na aldeia, porque ainda são visíveis os enfeites e o balcão da quermesse (com rama de castanheiro) ainda não foi desmontado. Foto de Octávio Marques. Inspirado por uma foto antiga, enviada pelo amigo Octávio Marques, que nos trouxe à memória momentos passados há mais de meio século, é com enorme prazer que hoje aqui venho recordar o meu amigo Alberto Trinta de Carvalho, o carteiro da minha infância no Monte Frio. Lembro-me bem do carteiro Alberto a chegar à nossa terra com a sacola das cartas e encomendas, dirigindo-se de imediato para a taberna da D. Assunção Peres, onde logo bebia o seu copito e, por vezes, comia uma bucha. Durante vários anos fez o giro da freguesia a pé, só mais tarde passou a fazer o trajeto num cavalo. No tempo de inverno, palmilhava geadas e sofria os temporais, enregelado, por vezes encharcado. Já durante o verão caminhava diariamente à torreira do sol, subindo pelas veredas, desde a Benfeita até ao Monte Frio, onde chegava afogueado e transpirado. Contudo, a postura do garboso Alberto Trinta era sempre a mesma. Estou a vê-lo sempre com aquela farda cinzenta de carteiro profissional, abotoada até ao pescoço (como se pode observar na foto). Vida dura e sofrida a do carteiro Alberto, então um jovem com enorme simpatia entre a população, a quem servia com dedicação e amizade. Porque, na prática, o carteiro era também um confidente, um moço de recados, um elo de ligação com a freguesia e com a vila de Coja. Àquela hora, no Carvalhal, tocava a gaita e, antes que chegasse à taberna para o expediente, as raparigas saíam-lhe ao caminho, na expectativa de ele trazer uma cartinha do namorado distante. Era no tempo em que o Monte Frio estava bastante povoado, embora tendo já muitos dos seus a labutar na capital, para melhor subsistência da família. Em Dezembro do ano 2006, a Comissão de Melhoramentos de Monte Frio homenageou os carteiros António Mina, da Benfeita, e Alberto Trinta, de Coja, com o «Diploma Afinidade», numa cerimónia que decorreu durante um almoço na Casa de Convívio da CMMF, onde lhes foi manifestado todo o carinho e amizade do povo. O giro dos Correios da freguesia da Benfeita foi criado no dia 15 de Fevereiro de 1954, cujo posto estava sediado num pequeno espaço comercial no Largo da Capela, mudando-se depois para o estabelecimento do conhecido Artur Nunes da Costa. O percurso do estafeta de Coja para a Benfeita (com passagem pela Cerdeira), era feito de bicicleta na estrada de terra batida. O primeiro estafeta foi o Augusto da Silva (capador), da Dreia, e depois o Manuel Raposo, de Coja. V. C. No almoço de homenagem em Monte Frio, o amigo Alberto Trinta leu uns versos de sua autoria, alusivos à árdua tarefa, enquanto carteiro do giro da freguesia de Benfeita. São esses versos que a seguir aqui divulgamos em sua homenagem:
Um carteiro na serra, nos anos 50 «Foi em cinquenta e quatro / Ano do século passado Quando um giro dos Correios / Na Benfeita foi criado» «Por necessidade ou destino / Eu fui ali colocado Fazendo o giro a pé / Em horário complicado» «De Coja para a Benfeita / Pedalando na biciclete Em estrada de terra batida / Era o início de um frete» «Começava ao meio dia /No horário determinado Mas na estafeta pela Cerdeira /Chegava à Benfeita atrasado» «Separar a correspondência /Para cada povoação E a Benfeita era a primeira / A ter a distribuição» «Por volta da uma e meia / Como era habitual Lá ia o Alberto a pé / Para um giro rural» «Estradas não existiam / Os acessos eram maus E até parte do percurso / Era subir e descer degraus» «Pela Senhora das Necessidades / Descia ao Soito Moninho Subia para os Pardieiros / Que era um único caminho» «Depois da distribuição / Também sem qualquer desvio Descia à Ribeira da Mata / E subia para o Monte Frio» «Da Benfeita ao Monte Frio / Todo o verão, pelo calor Só quem conhece o trajeto / Saberá dar o valor» «E sempre que necessário / Cumprindo uma obrigação Eu ia para a Fonte Raiz / Que também tinha distribuição» «Dali para a Relva Velha / Onde abrandava um bocado Continuava para o Enxudro / Já em passo acelerado» «Em dias de temporal / No exercício da profissão Apenas o guarda-chuva / Dava alguma proteção» «Em Novembro e Dezembro / No Sardal ao anoitecer E a distância para a Benfeita / Ainda para percorrer» «Chegava de noite à Benfeita / E a correspondência que trazia Ficava retida no Posto / Para seguir no outro dia» «Finalmente despachado / A biciclete me esperava O meu transporte para Coja / Que era onde eu morava» «Mais tarde a morar na Benfeita / Começava a ficar cansado Passei a andar a cavalo / Mas reduzia o ordenado» «Apesar do sacrifício / Eu sentia-me contente Nem o notaria tanto / Por lidar com boa gente» «Fossem jovens ou crianças / Hoje já com mais idade Sempre que nos encontramos / Mantém-se a mesma amizade» «As pessoas que já partiram / Que não mais torno a ver Mantê-las-ei na memória / O tempo que eu viver» COJA, Setembro de 2004 Alberto Trinta de Carvalho Na religião católica está instituído que Maio é o mês de Maria. Na meninice todos aprendemos que foi no dia 13 de Maio, do ano 1917, que a imagem da Nossa Senhora de Fátima apareceu (brilhando) aos três pastorinhos (Lúcia, Jacinta e Francisco) que guardavam o gado, na Cova da Iria. Desde então, este mês ficou consagrado à Virgem Maria, as preces e orações diárias eram culto obrigatório em todos os cantos do país. Também era assim no Monte Frio da minha infância. Ao final da tarde, as pessoas regressavam das labutas nas fazendas, o padre José Redondo, jovem pároco da nossa freguesia, chegava à povoação para celebrar a oração do terço, um dos rapazes subia à torre para tocar o sino, como sinal para mobilização do pessoal e, pouco depois, a capela ficava repleta de gente, homens mulheres e crianças, quase todos de rosário na mão, rezavam o terço em voz alta: ‘Avé Maria, cheia de graça…’, de forma cadenciada, um coro distante que ainda recordo. Maio é também o mês das flores, razão pela qual a capela estava sempre bem enfeitada e cheirosa. As raparigas da terra faziam questão de renovar as flores e as plantas. Nos anos cinquenta do século passado ainda não havia eletricidade na nossa aldeia. A iluminação dentro da capela era feita com longas velas de cera e as pessoas alumiavam-se com lanternas e candeias. Monte Frio, 1955. Crianças do Monte Frio rodeiam o Padre José Redondo, pároco da freguesia de Benfeita, durante a década de cinquenta: Carlos Pimenta, António Manuel, Fernando Peres, Rosinda Nunes, Fernanda Henriques, Fátima Cândido, Áurea Nunes, Leonardo Moura, Carlos Alberto Peres, Sérgio Henriques, Lisete Henriques, Alice Ferreira, Elisabete Henriques, Toneca Francisco, Vítor Cândido, Odete Costa, Hermínia Henriques e Maria (do Lopes). Mais dois bebés. Foi por essa altura que a imagem de Nossa Senhora de Fátima, padroeira de Portugal, andou em digressão por todos os recantos do país, visitando todas as igrejas e capelas, tendo também permanecido no nosso humilde templo.
Estas memórias do ‘Maio mês de Maria’ chegam na sequência da notícia que este ano foi restabelecida a tradição de se rezar o terço em Monte Frio, durante o mês de Maio. Uma iniciativa louvável que muito nos apraz registar. Autorizado pelo pároco António Dinis, o nosso Horácio Pedro (leigo, devidamente habilitado para estas funções religiosas), agora radicado na aldeia, congregou a vontade e o desejo de algumas pessoas para restabelecer a tradição, incluindo três casais (sexagenários) ex-lisboetas. Assim tem acontecido diariamente na Casa de Convívio da CMMF, para comodidade das pessoas mais idosas. Durante a tarde reúnem-se todos para rezar o terço e, assim, podem, em paz, usufruir de momentos de fé e amizade. É o Monte Frio sempre em ação. V. C. |
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March 2015
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