Há quantos anos não participava na procissão da Nossa Senhora das Necessidades. Um turbilhão de sentimentos e memórias me ocorreram durante aquele percurso rústico que vai do santuário até dar a volta na capela de S. Bartolomeu, na Lomba do Bujo. Pelo pinhal, o pisar a caruma na terra batida, o sol a pino, o som dos acordes (cadenciados) da música do Barril desafiavam a nossa emoção. Olha! Veio-me à ideia o dia em que conheci o meu amigo Carlos ‘Espalha’ Reis, dos Pardieiros. Tinha chegado (são e salvo) da Índia, onde esteve prisioneiro de guerra e, por devoção, integrou-se na procissão com aquela velha farda militar, de caqui amarelo. Já foi há mais de meio século, rapaz!
«Santíssimo Sacramento»
- Irmandade montefriense
Adorei o ‘alto e bom som’ da missa cantada do Padre Rodolfo Leite. Gostei de ver os meus conterrâneos Áurea e Horácio Pedro compenetrados na sua religiosidade, com seus trajes brancos de acólitos. Fiquei feliz por rever as irmandades de S. Nicolau (opas verdes), dos Pardieiros e do Santíssimo Sacramento (opas vermelhas), da Benfeita, devidamente integradas nas cerimónias religiosas, dando-lhe aquele cunho de tradição solene. A propósito recordo que Monte Frio nunca teve irmandade própria porque a afinidade ancestral da maioria do nosso povo com as gentes da Benfeita era tão acentuada que as pessoas se filiavam na irmandade do Santíssimo, vestindo as cores (vermelho) da freguesia. O que ocasionava a participação desta instituição na procissão da festa do Milagroso Bom Jesus (em Agosto), tal como nas festas da freguesia e também na representação no funeral dos sócios. Era miúdo lembro-me ver meu avô Alfredo equipado (opa vermelha), tal como o Armando Sapateiro, o Albino Marques, o António Pereira, o Alfredo do Nabal, o António Cristiano, o Albino Henriques, o José Pimenta, o José Luís e muitos outros, integrados na procissão, junto com os confrades que vinham da Benfeita. Tudo a pé… que ricos tempos! A dedicação dos montefrienses à irmandade do Santíssimo era de tal ordem que até as mulheres eram sócias, pagando as quotas até morrerem, como aconteceu, por exemplo, com minha avó Dos Anjos e minha tia Gracinda.
Os tempos agora são outros, a juventude não se preocupa em preservar as tradições e é caso para perguntar: «que futuro para as irmandades, quando acabar a nossa geração?»
Fressura e chanfana
Antigamente os mordomos da festa da Senhora das Necessidades eram os rapazes (mancebos) no ano que iam à inspeção militar. Por essa razão tenho o prazer de afirmar que fui mordomo em 1965, precisamente quando foi inaugurada a nova igreja. Ainda guardo o jornal ‘Facho’ cujo editor era o Padre Joaquim Loureiro, onde consta a minha nomeação.
Naquela altura, acordávamos de madrugada, tínhamos de trazer a merenda de casa, cabaz à cabeça, garrafão na mão, para comer em piquenique. Agora tudo é mais fácil e mais cómodo. O pessoal vem em cima da hora, de automóvel, pela estrada da Mata da Margaraça e não precisa trazer farnel… nem o vinho. Há de tudo na festa. Como aconteceu este ano, um menú tradicional: sopa de legumes (de categoria); fressura (espetacular) e chanfana (saborosíssima). Um almoço de confraternização excelente, envolvendo mais de uma centena de pessoas, das várias aldeias da freguesia. Serviço ‘cinco estrelas’, num ambiente maravilhoso, ao ar livre, a que não foi estranho o empenhamento dos autarcas Alfredo Martins e Carlos Piriscas.
Do Monte Frio, para o almoço de confraternização, conseguimos uma comitiva de quinze pessoas (incluindo a nossa anciã Irene, o Antero, do Valado, e a Laurinda, da Relva Velha). Foi uma tarde bem passada entre amigos da Benfeita, do Sardal, das Luadas, do Pai das Donas… o Brasílio não se esqueceu do instrumento e, claro, a dada altura, a inevitável desgarrada para animar as hostes. A vida é isto mesmo. Graças a Deus!
V. C.